por Emiliano José, no jornal A Tarde
Tenho pensando na volatilidade do mundo. No tipo de sociedade que o avanço tecnológico possibilita. E me previno, ao pensar, em desenvolver uma reflexão saudosista, como se fosse possível voltar ao passado, e não é. Alguém há de desconhecer as maravilhas e possibilidades da internet? Creio que não. Tenho defendido como muita ênfase ser a internet o território da liberdade, uma assembléia onde todos podem se comunicar, um terreno que garante a transparência dos acontecimentos e que supera até mesmo as mídias tradicionais, normalmente ultrapassadas por simples cidadãos que, num canto do mundo, podem noticiar em tempo real coisas que as grandes redes midiáticas não teriam condições de fazê-lo.
Não são poucos os debates de que tenho participado sobre a internet, inclusive sobre o marco civil, projeto do governo, bom projeto, que tramita na Câmara Federal, e observo o pensamento conservador, querendo pensar antes na repressão aos internautas que nos seus direitos – estes, a principal preocupação do marco civil. Assim, deixo claro o quanto essa ágora contemporânea pode servir à humanidade. Em rede, os povos do mundo podem se conectar a todo instante, trocar experiências, desenvolver lutas, incentivar ideais de libertação, de superação dos atuais limites do homem, impostos por um modo de produção centrado no individualismo. Mas, não é apenas isso. Há outros aspectos.
O mundo virtual, que alguns teóricos já defendem não ser mais virtual, mas real, provoca impactos até pouco tempo impensáveis. Impactos profundos, observáveis no nosso cotidiano, e que merecem alguma reflexão, nem que seja como simples constatação. Às vezes, ao entrar num restaurante, me impressiona o volume de tablets. Calma, não pelos tablets, mas pelo uso deles. E não pelo uso, mas pelo fato de que são acionados sem cerimônia por casais. Às vezes, um deles observa o mundo no tablet, enquanto o outro contempla o vazio, entre melancólico ou entediado. Às vezes, os dois estão no mundo virtual, e só param quando a comida chega, e isso quando não continuam o exercício, o aparato ao lado do prato.
Outro dia, minha neta, Luiza,seis anos, ih, lá vem o avô, sentou à mesa comigo e meu filho, Teo, e começou a manipular o celular, nem bola dava pro pai ou pro avô. Tudo isso também num restaurante. Aliás, foi meu filho que me alertou para providências que ele e a galera dele tomaram para evitar a falta de comunicação quando saem. Todos são convidados, ou intimados, a colocar os celulares no centro da mesa, sem o direito de atender qualquer ligação. Aquele que ousar fazê-lo, paga a conta toda. Tem dado certo. Defesa da comunicação direta. Penso, ainda, e aí creio que há uma boa dose de nostalgia, nas cartas. As que celebram amizade. As que cantam o amor – aquelas que já foram chamadas de ridículas. Sumiram. Pra quê cartas se há o email, tão rápido e eficiente?
Esqueçam aqueles livros, são tantos, que tratam da correspondência entre pessoas, normalmente pessoas célebres, e que revelam tantos lados da personalidade dos missivistas. Não há mais a possibilidade do arquivo material dessa correspondência. Antes, dizia-se, foi Marx, que tudo que é sólido desmancha no ar. Estava certo – o email surge e desaparece num átimo. Ou não, claro, pode ficar na rede, sem muita utilidade. Uma carta de amor por email, um torpedo – estranho esse nome, não? – duram um segundo, um pouco mais a depender de quem os recebe, e depois desaparecem no ar. Amor líquido, diria o Bauman, não? Os sentimentos também sentem o impacto das novas tecnologias?
E quem disse que as respostas são fáceis? Quem disse sejam elas possíveis no turbilhão de mudanças a que estamos assistindo? As possibilidades abertas para a comunicação humana são extraordinárias, mas isso não quer dizer que não se corra o risco da solidão em meio à abundância, do homem encapsulado, tomado, seduzido pela tela, e subestimando as relações diretas. Pode ser um novo modo de viver, ao qual não chegamos, ainda, em toda a plenitude, mas do qual podemos estar muito próximos. Assim caminha a humanidade: tudo ficou mais simples e mais complexo. O sólido explode no ar.
Emiliano José jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA).
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